Equipe sub-14 de Conceição das Crioulas – em Salgueiro, sertão de Pernambuco – é trunfo da comunidade e dá orgulho não só nas quadras, mas também no aspecto social
Time de futsal sub-14 de comunidade quilombola faz história nos Jogos Escolares
Não é só futebol. A frase, que foi propagada para demonstrar a abrangência social do esporte, poderia ser o slogan perfeito para o time de futsal sub-14 feminino de Conceição das Crioulas, quilombo do segundo distrito de Salgueiro, sertão pernambucano. Separado por 44 quilômetros da cidade sertaneja (e a 557 km da capital Recife), a comunidade viu na prática esportiva uma arma para combater a natalidade precoce e prostituição infantil. Isso tudo sem deixar de lado os resultados.
– É uma equipe que tem ocupado os espaços no cenário municipal, regional, estadual e nacional através das conquistas que a gente consegue fazer nos jogos escolares. Para você ter uma ideia, a gente ganha o Regional desde 2013. O Municipal, de 2005 até aqui a gente só perdeu dois anos (2008 e 2009). Em, 2013 e 2014 conseguimos o bicampeonato estadual e em 2013 ainda ficamos em segundo no nacional. Para um time que treina sem estrutura, em uma comunidade quilombola, isso é um orgulho – disse o técnico Adalmir José da Silva que, assim como todos que trabalham no time, atua de forma voluntária.
Time de Futsal é orgulho para comunidade de Conceição das Crioulas — Foto: Elton de Castro
Superar as dificuldades impostas por uma terra em que se convive com a seca e a falta de estrutura, e se inserirem em um universo tipicamente masculino, não é alo novo para as meninas de Conceição das Crioulas. Na realidade, é algo que se ensina na escola. Fundada por seis mulheres, que ocuparam o local no início do século XVIII, a comunidade vive em regime matriarcal (o comando é feminino). Realidade incentivada nas escolas locais, o que fez com que o quilombo virasse referência na defesa das raízes afro-descentes, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Desde pequenas, as mulheres de Conceição das Crioulas aprendem que nenhum espaço é restrito para elas.
– É uma comunidade que tem uma luta importante em Pernambuco. Uma comunidade quilombola que a gente existe há mais de duzentos anos, né? E tem uma história de força e resistência nessa comunidade. É um orgulho para gente, porque é também uma quebra de preconceito. A gente se orgulha de vê-las vencendo. Elas jogando. Mas também se orgulha porque as mulheres estão quebrando muitos preconceitos e machismo de futebol ser coisa de homem, e as meninas de Conceição, com poucos recursos que elas têm, mostram talento. Isso é um orgulho pra nós todos de Conceição. A gente está numa comunidade rural. Uma comunidade negra, criada e desenvolvida por mulher, então tem um monte de preconceitos aí. Estamos no sertão de Pernambuco… tem muitos preconceitos com as pessoas – disse Valdeci Oliveira, umas das lideranças da comunidade local.
Comunidade fica a 557 quilômetros do Recife — Foto: Elton de Castro
Além das conquistas dentro da quadra, o time de futsal feminino também se destaca no combate a um problema que vem preocupando a comunidade: a taxa de natalidade precoce. Segundo dados dos agentes de saúde local, 30% das adolescentes da comunidade estão grávidas. Paralelo a isso, a falta de oportunidades também alimenta o risco da prostituição infantil. Problemas que fazem com que as atletas da escola José Mendes ganhem uma atenção especial.
“Para nós não é só um time de futebol. A gente trabalha para reduzir a prostituição infantil, a evasão escolar e também a gravidez dessas meninas. Muitas das atletas que foram segundo lugar nos jogos escolares nacionais, em 2013, saíram do time porque arrumaram namorado ou casaram. É um combate diário”, diz Adalmir José da Silva.
– Fomos tricampeãs do Pernambucano. Viajamos para o Brasileiro. A gente ficou em segundo lugar e eu era uma das integrantes, eu era goleira. A gente dá o sangue pela nossa comunidade e a gente gosta de representar bem sempre. Algumas saíram do time porque engravidaram ou coisa do tipo, saíram da comunidade por causa disso, também. Então, não é só como esporte, mas é como uma forma social. A gente integra o futsal e tira pessoas possivelmente das drogas, de uma gravidez, de coisas que não são muito úteis para a vida na adolescência. Isso nos dá orgulho.