Veja orientações de médicos para evitar possíveis sequelas no sistema cardiovascular e conheça a história de quem superou a doença e voltou a malhar
A pandemia de Covid-19 interrompeu praticamente toda programação esportiva mundial, adiando ou cancelando campeonatos e torneios, incluindo até mesmo os Jogos Olímpicos de 2020, transferidos para 2021. Uma das principais questões sobre a reintrodução gradual do esporte recreativo ou competitivo é sobre o grau de segurança, no retorno ao exercício, dos indivíduos que foram contaminados pelo novo coronavírus. Estudos estimam que boa parte dos que contraíram o SARS-CoV-2, com percentuais variando de 20% a 45% é assintomática, e muitos outros apresentam sintomas leves, o que dificulta ainda mais o mapeamento de infectados, além de suas condições para prática de atividades físicas. No entanto, um estudo conduzido pelos membros do Conselho de Cardiologia do Esporte Americano e publicado na revista médica JAMA (The Journal of the American Medical Association) trouxe as primeiras métricas epidemiológicas e clínicas necessárias para facilitar esse processo de recomeço a quem foi contaminado pelo vírus.
O halterofilista Ricardo Xavier, “o Gigante”, ficou internado por 12 dias voltou ao esporte lenda e gradualmente — Foto: Arquivo Pessoal
As recomendações do estudo baseiam-se sobretudo nas condições cardiovasculares e nas limitações pulmonares resultantes da contaminação, além da variação conforme o grau de desenvolvimento da doença. Conhecido pelo ataque ao sistema pulmonar, onde 20% dos casos podem requerer atendimento hospitalar e, desses casos, aproximadamente 5% podem necessitar de suporte para o tratamento de insuficiência respiratória, como respiradores e intubação, o novo coronavírus também pode ser um desencadeado de problemas cardiovasculares.
Quando retornar?
- Para quem testou positivo, mas permaneceu assintomático: deve-se evitar o treinamento físico por pelo menos duas semanas a partir da data do resultado positivo do teste e seguir rigorosas diretrizes de isolamento. Se os atletas permanecerem assintomáticos, a retomada lenta da atividade deve ser guiada sob orientação de seu médico, sendo necessário considerar o teste cardíaco se houver preocupação com o envolvimento cardiovascular na atividade.
- Para desenvolveu sintomas leves ou moderados: também é recomendada uma interrupção mínima de duas semanas de qualquer treinamento físico, só que essa pausa deve iniciar a partir do fim dos sintomas. Não se sabe se o aumento do risco de lesão do miocárdio em pacientes hospitalizados com Covid-19 também acomete pacientes levemente doentes e que não foram hospitalizados; porém, é importante considerar a possibilidade de lesão cardíaca nesses casos, sendo necessários exames cardiológicos.
- Para indivíduos recuperados: o ideal é realizar uma avaliação cardiovascular clínica cuidadosa em combinação com biomarcadores cardíacos e imagens. Outros testes, como a ressonância magnética cardíaca, o teste ergométrico ou monitoramento ambulatorial do ritmo, devem basear-se no curso clínico do paciente. Sem sintomas e nenhuma evidência objetiva de comprometimento cardíaco, o retorno às atividades físicas, com acompanhamento clínico, pode ser feito. Se o teste sugerir problemas cardíacos, o retorno deve se basear nas diretrizes do tratamento da miocardite.
- Para aqueles que foram hospitalizados, mas cujos biomarcadores cardíacos e estudos de imagem estão normais: descanso mínimo de duas semanas após a resolução dos sintomas, levando sempre em consideração testes cardíacos, seguidos por uma retomada gradual aos exercícios.
- Para pacientes que foram hospitalizados, ficando mais gravemente doente, e tiveram lesões cardíacas associadas ao quadro de Covid-19: recomenda-se o retorno à prática física de acordo com o tratamento da miocardite, mesmo sabendo que ela não representa a única possibilidade decorrente de alterações cardiovasculares.
O retorno à atividade física após a Covid-19 deve ser avaliado individualmente, de acordo com o comprometimento do organismo pela doença — Foto: Istock Getty Images
Outro grande perigo da infecção causada pelo coronavírus é o seu comportamento atípico, chamado de hipóxia silenciosa. Muitas vezes o doente não sente dificuldade para respirar mesmo quando sua saturação de oxigênio está baixa. A pneumonia da Covid-19 costuma se apresentar por meio de exames de imagem com a aparência opaca do “vidro fosco” e os níveis de oxigênio vão caindo lenta e constantemente. Quando o cansaço é tanto que o doente finalmente procura um médico, o pulmão geralmente já está bastante tomado e a saturação de oxigênio em níveis baixos, portanto, a prática física nesse quadro pode piorar o estado do paciente. No entanto, além de destacar a individualização de cada caso, o pneumologista Rodrigo Santiago, especialista pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), pontua que a restrição da atividade física não significa repouso absoluto.
– A manifestação da doença varia muito de uma pessoa para outra. Mesmo com sintomas leves, o atleta ou praticante deve ficar duas semanas em recuperação, sem fazer exercício. Mas é bom lembrar que existem alternativas como, por exemplo, a fisioterapia respiratória, com exercícios de reabilitação pulmonar, principalmente, para pacientes internados e ambulatoriais. Porém, os exercícios devem sempre serem acompanhados do fisioterapeuta respiratório. Então, 14 dias sem exercícios físicos não significa 14 dias deitado numa cama. Quando há sintomas mais graves, é importante fazer testes também cardiovasculares. A volta à prática física, além de gradual, deve ser com base numa individualização dos casos, ou seja, em entender os níveis de sequelas e recuperação de cada paciente – explica Santiago.
Halterofilista Ricardo Xavier, o Gigante: “Minha volta aos treinos foi leve, não com pesos como de costume” — Foto: Arquivo Pessoal
Com 1,85 de altura e 127 quilos, o ex-campeão sul-americano, brasileiro e paulista de levantamento de peso Ricardo Xavier de Souza, popularmente conhecido como Gigante, não é exatamente a imagem da fragilidade. Mas no dia 27 de março, o homem que já levantou 250 kg começou a sentir sintomas como dores de cabeça, dores pelo corpo, vômito, febre e diarreia. Dois dias depois, Gigante foi ao hospital onde, após alguns exames, foi medicado e orientado a descansar em casa, pois, segundo o diagnóstico, poderia ser dengue. O halterofilista voltou ao hospital no dia 6 de abril com dificuldades para respirar, sendo logo submetido a uma transferência de emergência para um hospital em Santos. Após dois dias em observação, o quadro se agravou e Ricardo foi entubado e induzido ao coma. Felizmente, após 12 dias nessa situação, o atleta recebeu alta do hospital e começou, aos poucos, a tentar retomar a vida de antes.
– Minha recuperação, após alta hospitalar, foi em repouso domiciliar e isolamento social. Minha volta aos treinos foi leve, não com pesos como de costume; comecei o treino funcional, praticando pela parte da manhã para melhor desempenho físico e de resistência – conta Gigante.
– Os principais impactos logo que o atleta é acometido pela Covid-19 são o medo, a preocupação, como será a evolução da doença, quando retornarão aos treinamentos e competições e se terão alguma sequela que afete seu rendimento. O início da fase de treinamento será segmentado em períodos de acordo com a planilha do preparador físico, treinador e fisiologista, que estabelecerão trabalhos individualizados no início do retorno coletivo, controlando assim as interações mais comuns dentro do grupo. O planejamento será escalonado em fases, a cada semana, iniciando-se com trabalhos individuais, treinamento em pequenos grupos, até um dia finalizarmos com o início dos coletivos – avalia Daniel.